O jardim dos venenos
Ótimo texto esse!! Muito bem escrito, o texto dá exemplos de como as plantas, sim, têm desejos e se adaptam ao ambiente. De acordo com a necessidade, as plantas atraem herbívoros q possam espalhar suas sementes, e nesses casos eles são recomensados com gostosas e nutritivas frutas. Já qd o alvo dos herbívoros é as folhas, as plantas usam 1001 formas de auto-defesa e ataque, interagindo inclusive com os predadores naturais dos seus algozes.
O texto é mesmo muito bom de ler e altamente recomendado. O autor é Reinaldo José Lopes, q publicou o texto no seu blog Visões da Vida (http://colunas NULL.g1 NULL.com NULL.br/visoesdavida/2007/12/29/o-jardim-dos-venenos/) no G1.com.br, em 29/12/2007!
O jardim dos venenos
Diante de um bife ou de uma coxa de frango, muita gente prefere nem pensar no bicho que proporcionou (não exatamente de forma voluntária) aquele pedaço de carne; dizem que estraga o apetite. Só posso imaginar qual seria o choque dessas pessoas se, após mordiscarem uma folha de alface, a verdura de repente começasse a gritar: “Socorro, moço! Ele tá me comendo, moço!”. Eu sairia correndo, sem a menor dúvida.
O que só faz aumentar o meu respeito pela coragem de certas lagartas. Elas comem vegetais que realmente “gritam” quando são mordidos — usando sinais químicos que atraem os piores inimigos das lagartas. Conto essa história melhor daqui a alguns parágrafos, mas esse breve resumo, assim como a minha piada do começo, ajuda a ilustrar um ponto importante: as plantas não “querem” ser comidas mais do que uma galinha quer virar canja. Só não têm boca para expressar seu descontentamento.
Não têm boca, mas são capazes de desenvolver uma bioquímica das mais sofisticadas. Esqueça o velho papo-furado de que “comida natural não faz mal”: para continuar vivos e produzir descendentes, os vegetais não hesitam em produzir os tipos mais sofisticados de veneno, ou de se aliar às espécies mais odiadas pelos animais que os comem. Em outros casos, preferem manipular e bajular seus algozes, transformando herbívoros em veículos para sua própria propagação. O fato de que os seres humanos modernos conseguem colocar no prato plantas (relativamente) inofensivas é uma novidade um bocado recente nessa velha história de intrigas.
Comecemos com o menos óbvio: suborno. Toda vez que devoramos uma laranja, uma pêra ou uma maçã maduras, estamos nos aproveitando de um alimento vegetal saboroso, rico em açúcar (o combustível básico dos organismos vivos) e com baixa quantidade de substâncias nocivas. É claro que séculos de agricultura ajudaram a tornar as frutas ainda mais doces e palatáveis, mas mesmo em estado natural elas parecem um petisco estranhamente generoso. Por que as árvores se dariam ao trabalho de produzi-las?
Pelo simples motivo de não terem pernas. Diante da inevitabilidade do ataque de herbívoros, as plantas frutíferas muitas vezes desenvolveram as frutas carnudas ou suculentas como um suborno, garantindo que elas, e não as preciosas sementes em seu interior, fossem consumidas. Melhor ainda, os herbívoros poderiam ajudar a dispersar as sementes engolidas (mas intactas) floresta afora, dando inclusive uma ajudinha na adubação — com as fezes que envolvem as sementes eliminadas. No fundo, os dois lados saem ganhando com esse acordo tácito.
Nicotina, cafeína, cocaína
Quando os herbívoros se põem a mordiscar folhas e ramos, no entanto, a coisa muda de figura. Afinal, eles estão atacando o próprio coração da fisiologia vegetal, as partes da planta que a mantêm de pé e que garantem seu suprimento de energia por meio da fotossíntese. A longo prazo, não dá para tolerar isso, em especial nos momentos cruciais (estação seca e/ou mais fria) em que a planta vai ter de parar seu crescimento por algum tempo.
Uma das formas de contra-ataque é mecânica: os espinhos das rosas, e outras características menos óbvias (como os “pelinhos” e saliências que notamos nas folhas de muitos vegetais) são obstáculos que visam a dificultar a mastigação dos herbívoros, ferindo ou adormecendo suas mandíbulas. Pequenos grãos de sílica — estrutural e quimicamente parecidos com areia — desgastam os dentes dos animais que mordiscarem grama, daí o fato de que os roedores têm incisivos de crescimento contínuo.
Há, porém, um jeito mais sofisticado de enfrentar os mordiscadores: drogá-los. Não é de admirar que a imensa maioria das substâncias ilícitas e lícitas usadas pelos seres humanos para manipular o sistema nervosos venha de plantas. Compostos como a nicotina, a cocaína e a cafeína são, originalmente, armas químicas anti-herbívoro, cuja ação é direcionada principalmente contra insetos.
Alguns dos membros desse grande grupo de substâncias têm efeitos insidiosos sobre a biologia dos herbívoros, como a quebra da membrana de suas células, a alteração dos mecanismos que reparam DNA ou da transmissão de impulsos nervosos. Determinados herbívoros, por sua vez, aprenderam a se escudar dessas substâncias e armazená-las para o uso contra seus próprios inimigos naturais.
Efeito sirene
Voltemos agora ao meu favorito entre esses mecanismos, o que vitima as pobres lagartas-do-milho Mythimna separata. Quando elas atacam uma folha de milho, a planta logo secreta substâncias que atraem, de forma específica, um tipo de vespa parasita. Ela coloca seus ovos no interior de lagartas vivas, e as larvas vão comendo a lagarta por dentro até eclodirem. As plantas, porém, só fazem isso durante o dia, porque esse é o único período em que as vespas parasitas estão ativas.
Em resposta, as lagartas desenvolveram hábitos noturnos, mastigando à noite e se escondendo das vespas durante o dia. Cientistas liderados por Kaori Shiojiri, da Universidade de Kyoto (Japão), mostraram que a contra-espionagem das lagartas, na verdade, é ainda mais esperta. Usando variações de luz e escuridão, eles descobriram que a fuga das lagartas não depende do grau de luminosidade, mas sim da liberação ou não dos chamarizes químicos de vespas por parte das plantas. Ou seja, as lagartas decifraram o pedido de socorro da planta e passaram a fugir toda vez que o detectavam.
A tática da sinalização química, como vimos, é inteligente, mas não à prova de falha. É por isso que algumas plantas decidem abrigar seu próprio exército de defesa: em geral, elas criam reentrâncias espinhosas que abrigam formigas guerreiras, cedendo secreções açucaradas para as soldadas em troca da proteção que elas proporcionam contra outros insetos.
É só graças à invenção revolucionária da agricultura que as pessoas de hoje têm menos problemas com a comida de origem vegetal do que os pobres insetos. Por meio da seleção cuidadosa de plantas mutantes, que não produziam veneno e por isso dificilmente sobreviveriam na natureza, criamos variedades não-tóxicas. Basta olhar para amêndoas e mandiocas selvagens (ambas venenosíssimas se consumidas in natura) para recordar que os vegetais resistem firmemente ao seu suposto destino de saladinha.
Dedico esta última coluna do ano a um velho amigo, o professor Nagib Nassar, da UnB — o egípcio de alma mais brasileira que conheço. Espero que este pedacinho da saga evolutiva das plantas seja do seu agrado.
PS — Como vocês sabem, o mundo está cheio de chatos. Alguns desses apareceram por aqui e reclamaram que eu estava adotando a heresia lamarckista ao dizer que as plantas “decidem” fazer isso ou aquilo.
Para contentar essas vozes lamurientas, lembro que o processo de co-adaptação entre plantas e hospedeiros NÃO é consciente, mas acontece por meio da seleção natural, na qual os vulneráveis morrem e os mais resistentes sobrevivem e passam sua resistência para seus descendentes.
Desnecessário dizer também que as plantas só “decidem” como figura de linguagem. Qualquer criança da primeira série entende que isso é uma metáfora e que as plantinhas não estão realmente pensando, mas esses sujeitos aparentemente não o fazem. |
Popularity: 3%
It has accumulated a total of 13,748 views. You can follow any comments to this article through the Comments RSS 2.0 Feed. You can leave a comment, or trackback from your own site.
Related Posts:
- Plantas naum querem ser comida!
- Sexo vegetariano: comendo as plantas!
- Com a palavra, a Dona Vaca!
- Qual a diferença entre humanos e animais?
- E as plantas??
- Vegetarianismo é...
- O significado das palavras especismo e senciência
- Relato de um vegetariano realmente ético
- Sobre cães, gatos e outros animais domesticados
- A carne q comemos tá cheia de "químicos tóxicos"?
Comentando vc contribui e participa na criação do conteúdo do site.
Contribua. Commente. :)
(Os comentários abaixo representam a opinião dos visitantes, o autor do site não se responsabiliza por quaisquer consequências e/ou danos que eles venham a provocar.)